Nosso primeiro encontro aconteceu
assim, por acaso, como aqueles encontros especiais inesperados. Eu saía feliz,
rumo a uma viagem de férias merecidas, querendo olhar pra mim, nada de
trabalho, praia, mar, pensamentos, viver as horas do dia apenas. Ao cruzar o
portão, rumo ao carro, você apareceu. De início, nos olhamos. Lhe achei bonita,
na sua barriga de quem carrega vida, lhe chamei pra perto. Você hesitou, entre
o desejo e o medo. Venceu o desejo, a vontade por um carinho, a fome por afeto,
por um afago. E ficamos ali, naquela interação displicente, curtindo o prazer desse
encontro, da ligação que se iniciava. Lhe dei comida, lhe protegi dos carros,
lhe disse adeus, e fui embora, em busca da paz do mar.
Mas você foi comigo. Em meus
pensamentos. Eu ainda não sabia, mas já estávamos irremediavelmente conectadas.
Fiquei atenta pra ver se lhe via,
em um novo encontro inesperado. Mas não. Soube de você. Que tinham lhe visto
vagando pelas ruas, fugindo dos carros, protegendo-se nos carros. Pensei se estaria bem. Se lembrava de mim. Se viria até mim. Desejei ir até você.
E os dias se passaram.
Nosso segundo encontro também foi
um acaso, ao menos pra mim. Talvez você já tivesse planejado que ele
aconteceria. Sabia que estando ali iria me encontrar. Mas eu havia perdido as esperanças de ainda lhe ver. E lá estava você. No mesmo
lugar, entre os carros, como se me esperasse. Eu desci, você me chamou pra
perto. A princípio não entendi, os óculos escuros me impediam de lhe ver do
lugar onde estava. Seu pedido ficou mais urgente. Precisava de mim! Percebi que
não estava só. Agora vinha acompanhada. Antes eram quatro, que se tornaram três. Dependiam de
você pra comer, ficar aquecidos, pra viver. E se já era difícil levar a si mesma
e àquela barriga de vida, imagino como não era pesada pra você essa missão de abrigar e cuidar de outros três seres. E você veio a mim. Veio pedir a
segurança que lhe ofereci naquele primeiro encontro. Pediu comida,
carinho, afeto, afago, e que eu lhe protegesse dos carros. Quis lhe levar
comigo. Quis nunca mais me separar de você. Pensei em lhe ajudar a cuidar
desses três meninos. Mas isso também seria pesado pra mim. Não podia. Então, lhe
dei comida, lhe protegi dos carros, lhe disse adeus, e fui embora, em busca da
paz do meu lar.
E você foi comigo. Em meus
pensamentos. Sabia que estava perto. Iríamos sim nos reencontrar.
E as horas se passaram.
Nosso terceiro encontro,
planejado por mim, não aconteceu. Fui até você, e só encontrei o vazio de um
lugar antes ocupado pela sua presença e de suas crianças. Esse talvez tenha
sido o nosso encontro mais intenso. O não encontro. O saber-se já amando e
perceber que o ser amado se foi. E não se sabe para onde. Ou como está. Será
que alguém lhe dava comida? Estariam lhe protegendo dos carros? Estariam lhe
dando afeto e carinho? E o que seria dos seus três pequeninos, ainda tão frágeis?
E eu chorei. A dor de não ter feito nada. A dor de não saber o que fazer. A dor
de imaginar o pior.
E você esteve comigo. Em meus
pensamentos. Imaginei que esse era o fim dessa história.
E os minutos se passaram.
Quando imaginei que nenhum outro
encontro se seguiria, você resolveu aparecer. Como sempre, como gosta. Assim,
de forma inesperada, me surpreendendo naquele lugar de carros. Entendi que você
não gosta de encontros marcados. Que gosta da surpresa, do brilho nos olhos
ante o inesperado. E você estava ali, estava bem, com seus três bebês, lindos e
vivos. Não tinham lhe feito mal. Mas você precisava ainda que lhe dessem
comida, carinho, afagos, enquanto se protegia nos carros. E eu entendi que era
isso. Não ia mais poder ficar indiferente à sua existência, não saber mais de
você. E eu lhe dei comida, lhe fiz ser cuidada, lhe coloquei protegida em um
carro e lhe arranjei um novo lar.
E aqui ficaremos. Não vou mais
embora. Você receberá comida e carinho. E ficará longe dos carros. Saberei
sempre de você.
Na esperança que os anos passem.