Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos...
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir...
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio de um copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?
Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida
Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas...
Um acidente de carro.
O coração que se recusa a bater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida,
a ferida mal curada,
a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido,
ou até, quem sabe......
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...
Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que as minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente um outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem e nos meus filhos
Na palavra rude que eu disse para alguém que eu não gostava
E até no uísque
que eu não terminei de beber
aquela noite...
Este post é dedicado às vítimas, parentes e amigos das vítimas do vôo 447 Rio-Paris da Air France...
Porque desde a tragédia, não consigo parar de pensar neles
e de imaginar que qualquer um de nós poderia embarcar em uma aeronave daquelas..
que a nossa vida tenha tido sentido e tenha valido a pena!
Letra da música "Canto para a Minha Morte", de Raul Seixas e Paulo Coelho, gravada no álbum "Há Dez Mil Anos Atrás" (1976).
Nenhum comentário:
Postar um comentário